quarta-feira, 12 de maio de 2004

Pedacinhos de Lia Luft do livro Perdas & Ganhos

(Para Michela: que leu o livro, gostou, e me encantou ;)
(Para Elma: ainda não leu, mas vai gostar ;)

Nesta casa de agora, afetos essenciais me povoam.
Não há isolamento. Amigos de qualquer idade
também vêm me ver. Alguns por assuntos triviais
e alegres. Outros por angústias severas com as
quais na juventude eu certamente não saberia
lidar. Na maior parte das vezes não sei o que
lhes dizer: nenhuma sugestão, nenhuma frase
brilhante. Mas talvez sintam que a essa altura
vi, vivi, ouvi, observei muita coisa.
Pouco me espanta.
Quase nada me choca.
Tudo me toca, me assombra e me comove: o mais
cotidiano, e o mais inusitado. Tudo forma o
cenário e caminho. Que a maturidade me faz
amar com menos aflição e quem sabe menos
frivolidade - não menos alegria.

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O mundo em si não tem sentido sem o nosso
olhar que lhe atribui identidade, sem o
nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se
a cada momento. Arte e artifício, exercício
e invenção no espelho posto à nossa frente ao
nascermos. Algumas visões serão miragens: ilhas
de algas flutuantes que nos farão afundar.
Outras pendem em galhos altos demais para a
nossa tímida esperança. Outras ainda rebrilham,
mas a gente não percebe - ou não acredita
A vida não está aí apenas para ser suportada
ou vivida, mas elaborada. Eventualmente
reprogramada. Conscientemente executada.
Não é preciso realizar nada de espetacular.
Mas que o mínimo seja o máximo que a gente
conseguiu fazer consigo mesmo.